quarta-feira, 30 de maio de 2007

Crônica

DIVAGAÇÕES DE UM CORAÇÃO-JOGADOR

Breve piscar de olhos e me vejo no campo do Flamengo, três décadas depois, sob um ameno sol da manhã. Aguardo o início da partida entre o time da casa e o Laranjal, pelo Campeonato da Panorama. Viajo na memória e estou debaixo daquelas traves no início da década de setenta, um garoto de 15 anos, com muitos sonhos na cabeça e o difícil desafio de dobrar a equipe do Pavunense do Rio Janeiro, vice-campeã brasileira da categoria Dentes-de-leite. Aquele embate viria dar à nossa equipe notoriedade exemplar na cidade. Vencemos por um a zero!

Minhas lembranças são entrecortadas pelos cumprimentos de antigos jogadores, meus ídolos do gramado, mas que agora, como eu, também esperam nas arquibancadas o desfile dos novos craques da bola. É assim mesmo, o tempo – essa invenção dos homens – passa, a terra gira elíptica em torno do sol e voltamos nós, agora outros, anos depois, ao mesmo lugar que, se bem observado, também não é mais o mesmo.

Vejo Adãozinho, vejo Bazilto, vejo Amora, vejo Cafezinho, vejo tanta gente! Aquele lá é o Criundinha... estou ao lado do escritor Emerson Cardoso, que também já posou de arqueiro nos mesmos anos setenta. Ouço as críticas pertinentes do José Luiz Portela. Deparo-me também com o Mariquito, um autêntico desportista que conhece tudo do nosso futebol e traz na cachola a escalação dos escretes municipais que habitam o nosso imaginário: Flamengo, Operário, Cataguases, Vasquinho, Bairro Jardim, Granjaria e tantos outros. Vejo Valmir Matos – elevo sereno os olhos e dedico um bom pensamento ao seu irmão Dirceu; vejo o presidente do Conselho do Flamengo, Mário Luquine, agarrado ao alambrado, revelando tímida ansiedade frente ao embate que se aproxima; lá está também o diretor do clube, Cezinha Samor, desfilando garboso dentro de seu vasto bermudão. O estádio está um brinco, digno dos torcedores. Ao longe, lá no vestiário, avisto o histórico Coramba que, ao menor vacilo do árbitro, certamente irá expressar a sua indignação: - Cumé que é, seo Juiz? Sinto falta da banda-fanfarra da Isabel Escolate - Deus, essas pessoas também morrem!! - tristeza, por favor vai embora...Ô lelê, Olalá, pega no ganzê, pega no ganzá! Leva meu samba. Estou na expectativa do Flamengo versus Laranjal. Domingo, 27 de maio de 2007.

Começa o jogo. O Laranjal apresenta um time de bons valores, mas sem entrosamento e condicionamento físico, dando-nos a impressão de ser uma equipe descolada na última hora, com jogadores trazidos a tiracolo, de cidades diferentes, na calada do alvorecer do domingo. O Flamengo revela-se um time bem treinado, com disciplina tática. Ricardinho corre muito e é bom de bola, faz o primeiro de pênalti e destaca-se na partida. Cláudio Cardoso, nos poucos minutos que entra no jogo, destila seu elegante e objetivo futebol, marca o segundo gol. Do outro lado, o goleiro do Laranjal brinda-nos com defesas primorosas e encerra a partida merecedor de bicho-extra, isso por evitar um desastre maior no placar desfavorável ao seu time. Dois a zero para o Flamengo. Mas, tirante um drible alá Garrincha do filho do Bravinho, nós, arquibaldos, sentimos falta das jogadas individuais, aquelas que dão mais brilho ao espetáculo e enchem os olhos da galera. Contudo, valeu a vitória, valeu estar ali, testemunhando a retomada do futebol em Cataguases. O Estádio Rodrigo Lanna recebeu considerável público e a idéia de realizar as partidas pela manhã foi ótima. O Operário já está também em atividade. Espero ansioso um embate entre as duas equipes. É sempre uma oportunidade de se viver boas emoções.
Peço escusa ao leitor pelas divagações. No fundo, ao tecer essas palavras sigo obediente a ordem desse coração-jogador que, depois de vencer mais de três décadas na faina, chacoalhando por muitos milhares de quilômetros de estradas, depara-se com mais uma encruzilhada da existência, mas quer encontrar-se consigo mesmo, dialogar livremente com as coisas mais simples, se possível sob o sol da manhã de domingo, no campo do flamengo, ao lado de seus ídolos. Exatamente como fazia na década de setenta. Um direito adquirido ao custo de muita luta, na qual não faltaram vitórias, dissabores e reais a menos na composição dos vencimentos, como, aliás, acontece na vida dos brasileiros que optam por não ganhar a vida com o trabalho dos outros.

terça-feira, 22 de maio de 2007

Um Caso do Futebol

A Flauta Mágica

Uma das figuras mais emblemáticas da Vila Leonardo, na cidade de Cataguases, Minas Gerais, foi o Sr. Amador, um senhor que dedicava grande parte de seu tempo ao Vasquinho, o time local, que dava lá as suas alegrias ao povo do bairro.

Como treinador, presidente e incentivador da equipe, o homem é lembrado com muito carinho pelos que aproveitaram de sua convivência."Era uma pessoa serena, mas conseguia energizar toda a equipe com o seu otimismo em relação aos jogos que iriam acontecer".
Sabia também resolver problemas com a sua costumeira boa vontade e criatividade.

E foi assim que um dia, ao perceber que não havia apito para conduzir o treinamento, foi até um bambuzal no entorno do campo e, com um pedaço de bambu, fabricou uma flautinha.Fez com ela o serviço.

Ao me relatar esse episódio, um ex- jogador confessou-me emocionado: - O som daquele instrumento encheu a tarde.

E até hoje ronda o seu imaginário.
(Crônica publicada no livro 50 Casos do Nosso futebol)