quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

O mundo do Místico e do Materialista

Aproveito uma frase do Sermão da Sexagésima, do Padre Antônio Vieira, pregado na Capela Real no ano de 1655, para iniciar essas minhas breves e últimas palavras do ano aqui no Blog: “As ações, a vida, o exemplo, as obras são as que convertem o mundo”.
Lembro-me que nos meus primeiros dias de Colégio Cataguases, ainda um tanto assustado com a nova vida que iniciara, na década de mil novecentos e sessenta, ouvi algo nessa linha, do professor Nilton Rossi:
- As palavras movem, os exemplos arrastam! Juro, eu não imaginava que o Mestre havia buscado na fonte do padre-pensador, a sabedoria que nos transmitia, com muito gestual, mas serenamente!
De quais exemplos são seguidas as nossas palavras?, é a pergunta que não deve calar, de modo que o que verbalizamos não se enverede pela retórica vazia, não caia na inépcia; é preciso não trilhar o caminho das verdades que dão no fosso da hipocrisia, ou simplesmente compõem o quadro, às vezes cintilante, mas quase sempre, superficial das aparências. É fundamental não ser mentiroso consigo mesmo para não o ser com os outros.
Viver bem é viver coerentemente e em paz com nós mesmos. É poder olhar altivo nos olhos do próximo, sem constrangimento ou culpa; é acertar no equilíbrio entre a teoria e a prática; encontrar a justa medida da nossa existência, considerando nossa missão de homens e mulheres nesse mundo que nos é dado. Fernando Pessoa, ainda em 1907, já escrevia: Nunca desistir nem recuar do propósito de fazer bem à humanidade; nunca esquecer os sofrimentos e as dores humanas. Assim, é possível experimentar certa realização pessoal, alguma dose de felicidade.
Mas, caro leitor, não se iluda: sustentar com exemplos as palavras tem um custo, em qualquer tempo e em qualquer lugar, principalmente, quando essa postura é assumida por homens depositários de Boas Novas, em cenários que mais tendem a conformar, conservar valores do que a transformar, revolucionar.
Seguindo o filme, passo a falar agora de duas figuras históricas e verdadeiras que, felizmente, sobreviveram, apesar de tudo. São os nossos principais aniversariantes do mês.
O primeiro, apesar de ter sido sepultado há quase dois mil anos, renasce a cada vinte e cinco de dezembro. Não posso afirmar, então, se a festa é de seu aniversário ou renascimento.
Homem nascido na Judéia, região existente entre o mar Morto e o mar Mediterrâneo, - no mesmo lugar onde brigam até hoje Israelitas, Palestinos e outros grupos fundamentalistas- passou a maior parte da sua vida em Nazaré, na Galiléia, uma região do norte de Israel, onde também ocorreu a sua transfiguração. Como esta crônica não pretende abordar o lado místico do Filho de Deus, apenas deixo registrado que os livros dos Evangelhos tratam de seus 35 milagres e que o primeiro deles teria ocorrido em Caná, durante uma festa de casamento, quando Ele transformou água em vinho, para atender aos convivas. Pouco depois, no lago de Genesaré, encheu em profusão a rede dos pescadores(Simão e Pedro) de peixes, quase fazendo o barco afundar. Houve também a multiplicação dos cinco pães e dois peixes para servir de alimento a milhares de homens, mulheres e crianças pobres; Isso sem contar a cura de cegos e doentes e o ressuscitamento de Lázaro que havia morrido já há quatro dias. Em todos os casos, é sabido que sua obra foi feita para demonstrar o amor e a misericórdia de Deus.
Já a ética do Jesus histórico estava baseada na defesa da vida em sua plenitude; vida que seria um dom de Deus, portanto, direito de todos, sem discriminação. Assim, os homens seriam iguais em dignidade e criados à imagem e semelhança do Senhor. Se naquela época alguns eram mais iguais do que outros, seria em decorrência da injustiça social que grassava no Império Romano. Pregando e dando exemplos de humildade, lavou os pés de seus discípulos, lembrando que a morada de Deus era o coração de cada um. Fez sua clara opção preferencial pelos pobres, marginalizados e enfermos. Era o ungido, o Jesus de Nazaré.
O outro homenageado nesta crônica completou cem anos no último dia quinze de dezembro. Seu nome, Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares, arquiteto renomado e também defensor de uma sociedade sem desigualdades. Importantes são a família, os amigos e este mundo injusto que devemos modificar, não se cansa de repetir em suas entrevistas. No seu livro “ Minha Arquitetura”, fala com orgulho de seu avô que, embora tivesse aposentado como Ministro do Supremo Tribunal Federal, morreu pobre, despossuído. Por defender idéias comunistas, teve que se exilar na França, na década de 1960, durante o regime militar no Brasil. Lá, trabalhou para o governo argelino, desenhando a Universidade de Constantine e depois a mesquita de Argel. Criou também a sede do Partido Comunista Francês e o prédio da Editora Mondadore, na Itália.
Antes, já havia projetado várias construções na criação de Brasília, no final da década de 1950 no governo Juscelino Kubitschek, cujo plano urbanístico foi feito por Lúcio Costa; dentre elas se destacam o Palácio do Planalto, da Alvorada, o Congresso Nacional. Niemeyer manifesta, sempre que pode, a sua insatisfação com os rumos tomados pela Capital Federal, construída, originalmente, para abrigar os trabalhadores, sede do governo e servidores públicos.
Projetou para Cataguases, ainda na década de quarenta do século passado, o prédio do Colégio de Cataguases, na granjaria e a casa do escritor Francisco Inácio Peixoto, por quem foi contratado. O projeto da casa foi entregue em 1940 e o Colégio concluído em 1947.
Reconhecido mundialmente pelo seu trabalho na arquitetura, Niemayer é não menos importante pelas posições políticas que adotou ao longo de sua vida. Jamais se curvou aos regimes autoritários ou abriu mão de defender e lutar, como filiado de seu partido e ativista político, pelo advento de uma sociedade igualitária, sem explorados ou exploradores. Como o Jesus histórico, defende a dádiva de uma vida plena e abundante para todos, homens e mulheres.
Os dois – um Místico e outro Materialista – com a mesma boa vontade, almejam a sociedade fundada nos ideais de fraternidade e solidariedade que os próprios homens, com seus Sistemas e vícios, ao longo de milênios, ainda não foram capazes de construir.