terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Três histórias

Para começar o ano de uma forma descontraída em sua companhia, conto, a seguir, alguns casos que andei recolhendo ao longo do vai-e-volta de minhas andanças por esse mundo de Deus.
São três episódios que denunciam o uso indevido da nossa língua; exemplos de mau uso das palavras e formulação de frases que deságuam em desfechos curiosos e engraçados.
Esclareço: não é meu intuito diminuir ou fazer juízo de quem quer que seja. Os personagens aqui são todos fictícios e essas linhas são pura invenção de mentes criativas e bem-humoradas, das tantas que existem neste nosso país.
Aproveite as férias, viaje comigo pelo imaginário popular do brasileiro. Aqui eu procuro revelar alguma coisa da face ingênua e singular de nossa gente que só mesmo através da oralidade pode vir a lume. Vamos lá:

Verborragia

A língua portuguesa é riquíssima e nos oferece amplas possibilidades de expressão do nosso pensamento, da nossa mensagem. Uns se expressam através da literatura, outros através do cinema, do teatro, da televisão e outros trabalham com o rádio, até hoje, um dos maiores veículos de comunicação existente. E foi exatamente numa locução esportiva que um radialista mineiro exagerou na tentativa de informar ao público que o gramado não reunia condições de receber aquela partida de futebol:
-Meus amigos, choveu muito esta tarde e o gramado está praticamente impraticável para a prática do futebol.

Assinatura não confere

Sebastião Jorge Pinto Ferreira da Silva, nome de pia, perigoso demais pra dar personalidade àquele caboclo lá da cidade de Inaraug, no estado de Minas Gerais. Era tudo muito complicado, já que Sebastião mal se dera conta da existência das primeiras letras através das lições dadas pela comadre de seu pai, sua madrinha, ainda na infância. Depois disso, agarrou na enxada, onde ganhou a duras penas sua vidinha de homem do campo. Agora estava aposentado e morava no perímetro urbano. Nada mais.
Mas dava pra levar, até porque sua mulher, Felizbina, fazia jus ao nome que lembrava felicidade, acumulando algum rendimento com a costura para meninos e meninas. Mulher trabalhadora, conseguiu também, depois de muita luta, papelada pra-lá-e-pra-cá, um Beneficio da Previdência Social. Juntando tudo, dava até pra ter uma continha no Banco do Brasil, com direito a retirar talão de cheques. Claro, o titular da conta era o marido, Sebastião, já que negócio em banco, na época, ainda era assunto só pra homem. Mulher só na cozinha... ou então na máquina de costura.
Aliás, mulher servia também pra levar-trazer recado e tirar dinheiro no banco pro marido. Mas podia dar problema, gerar muita gargalhada nas rodinhas de praça e botequins na cidade e até virar Caso, vindo parar na página do jornal Cataguases, muitos anos depois, em 2008.
Sebastião, com muita dificuldade, escreveu um cheque de cinqüenta cruzeiros e pediu à esposa que fosse ao banco tirar o dinheiro. Era para pagar umas continhas da casa e deixar de reserva alguns trocadinhos pro fumo de rolo, palha, uma ou outra água-de-cana, coisinhas básicas. Felizbina, obediente, chegou ao caixa, mas teve o cheque devolvido pelo bancário, pois a assinatura não conferia; ela deveria pedir ao marido que assinasse da forma que constava no Cartão de Autógrafos da agência.
A mulher, que perdera boa parte da audição por conta dos anos de zic-zic da máquina de costura, imaginava que todos à sua volta eram também surdos e por isso falava muito alto:
É só na escrita do nome?, perguntou gritando. O bancário disse que sim e Feliz saiu à busca do marido para corrigir o erro. Demorou mais de duas horas para voltar, embora morasse bem perto da praça onde estava o banco. Com a agência quase fechando e lotada de clientes, bancários e usuários, entrou apavorada e falando alto:
- Nós custamos a ver o erro no cheque. Você devia ter me avisado que o Tião esqueceu de botar o Pinto lá atrás!

Na Cabeça

Partida rolando quente entre o Ribeiro Junqueira, de Leopoldina e o Ideal, da cidade de Recreio. Jogo no campo do Ribeiro. Destacados pela emissora local para fazer a cobertura, como narrador, o distraído e ansioso Gerson Costa, e como repórter de campo, Roberto Nairibe, um famoso radialista, conhecido por não perder nenhum lance, dentro ou fora das quatro linhas. Os trabalhos de radiodifusão tinham naquela tarde o patrocínio de uma famosa marca de cerveja que aqui nomino Arctica!
É muito comum nas transmissões do interior do país que os profissionais aproveitem todos os momentos possíveis para a veiculação de mensagens comerciais, gravadas, ou ao vivo. As gravadas são rodadas antes do início da partida, no intervalo entre os dois tempos e após o final do embate. Para veicular os comerciais ao vivo, o narrador e os repórteres destacados, aproveitam as saídas de bola, um córner, os momentos que antecedem a cobrança de uma falta, ou, como dizem alguns profissionais mais intelectualizados, os “hiatos” do jogo.
Mas esta sensacional tirada não se deu em nenhum desses momentos. A bola estava rolando plena no meio do campo quando o narrador Gerson Costa observou que o goleiro do Ideal estava caído, sem que o Juiz se desse conta de qualquer incidente. Havia acontecido alguma coisa, alguma agressão ao goleiro, mas fora do lance da bola.
Imediatamente, Gerson pediu informações a Roberto, do que havia ocorrido. Roberto informou que um irresponsável torcedor do Ribeiro Junqueira que estava atrás da meta do arqueiro o atingiu com uma garrafa na cabeça. O goleiro ferido sangrava muito e poderia, por conseqüência da ferida e do sol escaldante da tarde, ter uma convulsão.
Mas Celso não considerando nada disso, não perdeu tempo, aproveitou o episódio para faturar um comercialzinho:
-Tomara que seja da cerveja Arctica, deliciosa, refrescante, até passarim bebe!