terça-feira, 9 de setembro de 2008


O Mistério de uma Pincelada


Imergir no universo do artista é perigoso tal é a individualidade de cada um. Portanto, nesta matéria, me limitarei a fazer algumas breves considerações sobre o trabalho de Ady Resende, ao meu ver, um ícone de minha geração... falar de nossos ídolos é complicado, temerário.

Quantos ao longo do tempo não passamos por sua sala de aula e guardamos em nós, graças ao seu dedicado trabalho de educador, os conhecimentos sobre artes?

Ady andou sumido por opção pessoal, mas agora ressurge com uma mostra de seus trabalhos. A exposição teve início em agosto e vai até meados de setembro no Instituto Francisca de Souza Peixoto. Pena que não tenha trazido a lume suas criações inéditas.

Ady Resende me lembra os Impressionistas, com suas lutas e desavenças, suas diferenças entre si e com a sociedade; Ady me lembra Camille Pissaro - um senhor de certa idade e de conhecimento artístico fecundo, sempre pronto a atender os amigos Monet, Cezzane, entre outros. Com Ady não é diferente :quando o assunto é arte, há sempre de sua parte, a disposição para uma boa prosa!

Um homem simples no seu mundo, dono de pinceladas bem acabadas, com destaque para a preocupação impar com as cores. “Os artistas hoje não querem mais misturar as tintas”, observa. Isso demonstra conhecimento, palavras de quem descarta os modismos e acredita em si mesmo como criador.

Uma das características do Impressionismo é a busca do belo mas, nas telas de Ady predomina o mistério, deixado ali propositalmente, revelando a influência do Surrealismo(o sonho, o irreal de Breton ou Dali). Nosso artista não fecha as portas de sua criação nem mesmo para o expressionismo (Munch com sua solidão) quando pinta figuras , alongadas, enigmáticas, solitárias, numa busca desigual dentro de si: um mundo real ou não, podendo ser da figura, do quadro como um todo ou do próprio artista. O importante é que a obra faz com que o espectador observe com toda a estranheza no olhar, sem fugir de si mesmo e pense, pense muito. O mais interessante é que as telas do mestre são construídas com a delicadeza das cores em pinceladas sutis, sobre temas que enlevam e fazem-nos mais humanos.

Conhecendo as obras de Ady Resende, com certeza você também irá conhecer o homem contido em cada figura, em cada cena descrita pela forma, cor, e pelos pensamentos ali traduzidos. Como bem diz o nosso professor: “numa obra tudo tem que estar no lugar certo, mas deixando transparecer sempre o mistério das coisas, do mundo, para não perder a graça, o nome de arte.”
Assim é Ady Resende.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

The End para os nossos sonhos? -Zeca Junqueira



Acredito que Vanderlei Pequeno é hoje o mais interessante escriba de (sobre) Cataguases. Ele mexe e remexe na cultura popular, que é a que de fato dá identidade e faz a história de uma cidade – ou pelo menos escreve os seus melhores capítulos. Se juntarmos tudo que ele produziu até agora, teremos um belo painel dos acontecimentos mais lúdicos da cidade. Muita gente boa que pintou e bordou por aí, muito da memória de Cataguases, com seus mineiríssimos casos e causos, está salvo pelo registro do nosso bravo cronista – agora atacando também no vídeo, junto com o músico Emanuel(Aero)Messias, com seu belo trabalho de entrevistas filmadas com antigos craques da pesada do futebol Cataguasense, todos até então esquecidos.

Seus textos sempre mexem com a gente. Tem uma crônica intitulada Nas matinês do cinema do Nelo, no seu mais recente livro, Ilha do Horizonte, que me emocionou pra valer. Aquelas matinês nos anos 60 foram para muitos de nós uma deliciosa aventura de criança que vai durar a vida toda, foram um delírio em cima do delírio que era a nossa infância naquele “tempo da paz e da benção, naquele tempo em que andávamos pela tarde e entendíamos a luz”.

Tem outra nesse livro que também me balançou: em Duas Marias e uma Luíza, ele conta sobre a amizade entre sua mãe e uma vizinha: “Meu pai instalou um portão na divisa de nossas casas, evitando que o muro existente impusesse qualquer obstáculo na convivência entre as duas famílias. E assim foi até os últimos dias de minha mãe, dona Conceição”...Que tempo bom, Vanderlei, quando seu pai, seu Dorico, não fazia versos pregando a derrubada de muros, fazia logo um buraco no dito cujo, quem quisesse que atravessasse, e viva a amizade!

Dona Maria, Dona Conceição Seu Dorico, todos já encantados!, aproveitemos então o portão aberto no tempo por você e entremos no cinema do Nelo para nos (re) encantarmos novamente: sua crônica resgata momentos ímpares, como aqueles em que achávamos dentro do cinema pedaços de fitas com cenas proibidas que nos eram cortadas, cenas que como sonhos cristalizados iam direto da tela para o fundo dos nossos bolsos, como o da troca de gibis antes da sessão, na porta do cinema (eu me amarrava nos do Kid Colt), como o momento em que éramos chamados à “saliência” pelas imagens das musas que você tão bem recordou: Brigitte Bardot, Gina Lollobrigida, Rossana Podestá, Sofia Loren – faltou citar a Suzane Pleshett (o lourinho Troy Donahue dava trabalho à libido das meninas) e outras tentações que inspiravam nossas fantasias num tempo em que era bom transgredir, mesmo sob a ameaça de que cresceria pelos nas palmas das mãos dos onanistas mais empedernidos.

Apagavam-se as luzes (elas davam uma piscadinha antes, lembra?), explodiam gritos e assovios, e tome os faroestes do Audie Murphy, John Wayne e Gregory Peck, os capa & espada (Scaramouche!), as gargalhadas com Charlie Chaplin, Cantiflas, os três Patetas, Norman, Oscarito e Grande Otelo, a tensão com 007, Flint e Phantomas, o tesão com as musas já citadas, os filmes-cabeça - o nouvelle vague, o “cinema novo” (que pra nós era mesmo o Cine Edgard) trazendo o vanguardista doido Glauber Rocha, ninguém entendia nada, mas assistíamos todos, até sermos brindados ao longo desse desfile de belas imagens com o estilo arrebatador de Sérgio Leone, que segundo o crítico Richard Schiekel, transformou (em parceria com Ennio Morricone), seus westerns em ópera, alternando grandes trechos sinfônicos e coro (as paisagens amplas e profundas que marcam seus filmes) a belas árias (os closes). Clint Eastwood, o protagonista da trilogia do homem sem nome, é hoje um dos mais geniais atores e diretores hollywoodianos. Quanta arte víamos, quanta “arte” fazíamos!

Outra bela lembrança na sua crônica são as nossas primeiras investidas adolescentes sobre as meninas da Praça Rui Barbosa, quando elas passaram a nos atraiar mais do que as sessões do cinema do Seu Nelo. Como eram singelas, meu Deus!, por onde andam aquelas meninas?, todas tão belas em seu florescer, que durava mais naquele tempo, espero que não tenham ficado feias, que não tenham desistido, nenhuma delas, torço para que não tenham se tornado infelizes porque frustraram seus amores e seus sonhos.

Negociar com o Seu Nelo o ingresso mais barato depois que o filme já havia começado foi prática duradoura, como você conta, e quando não dava para negociar nada porque estávamos completamente lisos, o caminho era mesmo por baixo, lá pela Avenida Astolfo Dutra, onde pulávamos o muro e entrávamos pela fábrica de macarrão até chegarmos ao cinema. Às vezes o vigia ou o “cicatriz” nos pilhavam e era uma correria desesperada de volta pela fábrica para escaparmos do vigia, que era mau de verdade e esfolaria quem fosse capturado. Aqueles feitos valiam por um filme de suspense do Hitchcock! Mas a marcha do progresso é avassaladora e você também evoca tristes lembranças, como a estréia nas telas grandes do cinema pornô e o fechamento do cinema do Seu Nelo, causado principalmente pela chegada do vídeo-cassete. Nessa altura, muitos de nós já havíamos partido para outras cidades, apresentando os primeiros sintomas de adultice, moléstia grave que acomete os homens na idade da razão.

Viemos longe, estamos em 2008, e agora, “aonde vamos essa noite, Walt Whitman?”. Talvez a um Cine Magazine qualquer, num shopping solitariamente lotado, ou acabaremos sentados na sala de casa diante de uma tela fria de TV assistindo um filme em DVD, com gente passando pra lá e pra cá, acendendo luzes, e nós ali, às vezes de pijamas, sem pedaços de fita no fundo do bolso e sem a praça a nos esperar após a sessão, com tudo de bom que ela nos oferecia. E o que é ainda mais doloroso: nessa sessão doméstica de cinema onde tudo é bomba, entre um bocejo e outro, não percebemos que largamos a mão da nossa melhor namorada, que está ali ao nosso lado, ela que veio conosco de longe, lá do escurinho do cinema, não percebemos que pouco a pouco vamos nos cegando com a luz estourada de nossas salas-de-estar e deixando de enxergar um ao outro.
Cinema do Seu Nelo, Cine Machado, Cinema Paradiso!, onde outrora retumbaram hinos, estamos órfãos de nossos heróis, de nossas praças, de nossos velhos amigos das matinês, de muitas de nossas meninas, de nossos cinemas de sonhos que hoje, como disse o cronista Zé Antônio Pereira em uma de suas tiradas geniais, estão quase todos nas mãos da Universal, que não é Pictures, e onde se reza a tótens e cujo ingresso nas sessões infernais de descarrego custa os olhos da cara (ou da alma?).

Ainda há tempo para um filme qualquer de amor ou de aventura, para um beijo na namorada com trilha sonora (quem sabe Sounds of Silence?), ainda há tempo para um pedaço de fita escorrer para o fundo do bolso das nossas calças, agora compridas demais, ainda há algum ingresso sobrando para nós ou alguém disposto a negociar conosco uma entrada meio atrasada para uma última sessão de cinema?

Vanderlei Pequeno, escriba da Cataguases da minha saudade, ainda há algum lampejo de criança em nós, ainda há algum arroubo que nos faça esquecer a adultice e trilhar, já que a porta não cede, o caminho por baixo em busca de sonhos, mesmo com medo de que os vigias do nada nos peguem e que o caminho nos leve a lugar nenhum?

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