terça-feira, 14 de junho de 2011

Outro poema de Emanuel Medeiros


O Alquimista Kafka

Poema de Emanuel Medeiros

(Franz Kafka - 1883/1924),
Três quilos mais magro,
sorriso inigmático no canto da boca,
renasceu numa repartição do INSS,
misteriosa demanda.

O vellho Franz esperou em cadeiras mofadas
"falta um documento"(Voz do sub-burocrata mor)
"o carimbo do órgão K",
Esperou, envelheceu
Kafka: quieto, longilínio, gentil, protocolar
( como o seu próprio estilo: cartórário - sutil
relatório para ser lido nas entrelinhas),
contempla uma barata passeando nas bordas
do processo, castelos sonâmbulos,
Américas perdidas, (inúteis caravelas),

Esperou mais - sorriso insubornável,
Franz Kafka retira-se
plagas que não reconhecemos.

Este poema obteve o 3° lugar – concorrendo com mais de 700 trabalhos em evento de âmbito nacional – no III Varal de poesias da UNIFAMMA – Faculdade Metropolitana de
Maringá, Paraná, 2008

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Brasília Revisitada - Emanuel Medeiros Vieira (Crônica)



BRASÍLIA REVISITADA
Fragmentada crônica “poética” para os que aqui nasceram e que
também para os que aqui vieram morar – amaram e honraram a
cidade.
Para dona Eliete, com saudade
Em memória de Ivan Moreira da Silva e de Ronaldo
Paixão Ribeiro
(EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

Tomo o Grande Circular,
W-3 Sul, W-3 Norte,
mangueiras em flor, primeiras chuvas,
a grama ficando verde, penso na “Sinfonia da Alvorada”,
nos pioneiros, no barro vermelho,
não, não a capital do estatuto, dos maquiáveis planaltinos,
mas a urbe de Clarice e do Lucas,
de Renato Russo lecionando na “Cultura Inglesa” aos 19
anos, indo a pé ao Cine Brasília, atravessando os verdes,
SQS, SQN,
não SOS– meu particular socorro nas noites do hospital
“Santa Lúcia – em que ‘quase’ desmoronei, e recebi a Unção
dos Enfermos, e me deram dois dias de vida – e estou aqui,
da Feira do Guará, onde Clarice dançava forró
ao som de Luiz Gonzaga, outros sábados,
o “Beirute”, o “Bar do Raul” e o finado “Bar do Afonso”,
o “Campo da Esperança”, onde deixarei os meus ossos, e
lá ficaram o Esmerino, a dona Eliete, o Navega, o
Fernando, o Márcio, o Albino, o Côrtes, o Elídio, o Ivan
e tantos outros.
Ah, cidade bandas de rock, e onde vi Glauber Rocha
no Festival de Brasília
e conversei carinhosamente com o
conterrâneo/cineasta Rogério Scanzerla, que foi interno no
Colégio Catarinense, e há poucos anos morreu de câncer.
Cidade de amores findos e tão belos
urbe de sonhos feitos/ desfeitos
da esperança e da solidão,
cidade de amigos eternos
das belas morenas aqui nascidas,
do SCS (agora “traduzo”- Setor Comercial Sul),
onde assisti ao comício pelas Diretas, Tancredo, Ulysses,
do belo campus da UnB,
das cidades-satélites, da riqueza concentrada,
do Plano Piloto (não “Pilatus”),
cidade deste meu andar,
desta escrita, deste sábado de setembro, céu de anil,
leio no parque, escrevo na máquina elétrica,
encantos cerrados, florzinhas descobertas aos
poucos, da louvação às primeiras chuvas,
do amolador de facas
(a cidade tem esquinas sim: é preciso decifrá-las.),
belos crepúsculos, o Parque da Cidade, a Água Mineral , a cidade real (não a da mídia) não vive nos palácios,
mas no rosto de muitos brasis,
ah, Clarice, Lucas, e Célia – baiana que aprendeu a amar
o Planalto Central.,
Um dia não estarei mais aqui (apenas estrume),
memória, e chegarão as chuvas de outubro – amando,
pois só me resta amar.
(Revistando Brasília, após a transferência para a Bahia.)

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domingo, 15 de agosto de 2010

Um Poema - Murilo Mendes ( * )

Mapa

Me colaram no tempo, me puseram
uma alma viva e um corpo desconjuntado. Estou
limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo,
a leste pelo Apóstolo São Paulo, a oeste pela minha educação.

Me vejo numa nebulosa, rodando, sou um fluido,
depois chego à consciência da terra, ando como os outros,
me pregam numa cruz, numa única vida.

Colégio. Indignado, me chamam pelo número, detesto a hierarquia.
Me puseram o rótulo de homem, vou rindo, vou andando, aos solavancos.
Danço. Rio e choro, estou aqui, estou ali, desarticulado,
gosto de todos, não gosto de ninguém, batalho com os espíritos do ar,
alguém da terra me faz sinais, não sei mais o que é o bem
nem o mal.

Minha cabeça voou acima da baía, estou suspenso, angustiado, no éter,
tonto de vidas, de cheiros, de movimentos, de pensamentos,
não acredito em nenhuma técnica.

Estou com os meus antepassados, me balanço em arenas espanholas,
é por isso que saio às vezes pra rua combatendo personagens imaginários,
depois estou com os meus tios doidos, às gargalhadas,
na fazenda do interior, olhando os girassóis do jardim.

Estou no outro lado do mundo, daqui a cem anos, levantando populações…
Me desespero porque não posso estar presente a todos os atos da vida.
Onde esconder minha cara? O mundo samba na minha cabeça.
Triângulos, estrelas, noites, mulheres andando,
presságios brotando no ar, diversos pesos e movimentos me chamam a atenção,
o mundo vai mudar a cara,
a morte revelará o sentido verdadeiro das coisas.

Andarei no ar.

Estarei em todos os nascimentos e em todas as agonias,
me aninharei nos recantos do corpo da noiva,
na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários.

Tudo transparecerá:
vulcões de ódio, explosões de amor, outras caras aparecerão na terra,
o vento que vem da eternidade suspenderá os passos,
dançarei na luz dos relâmpagos, beijarei sete mulheres,
vibrarei nos cangerês do mar, abraçarei as almas no ar,
me insinuarei nos quatro cantos do mundo.
Almas desesperadas eu vos amo. Almas insatisfeitas, ardentes.

Detesto os que se tapeiam,
os que brincam de cabra-cega com a vida, os homens “práticos”…
Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas,
os soldados que perderam a batalha, as mães bem mães,
as fêmeas bem fêmeas, os doidos bem doidos.
Vivam os transfigurados, ou porque eram perfeitos ou porque jejuavam muito…
viva eu, que inauguro no mundo o estado de bagunça transcendente.

Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados,
dos amores raros que tive,
vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor,
tudo é ritmo do cérebro do poeta. Não me inscrevo em nenhuma teoria,

estou no ar,
na alma dos criminosos, dos amantes desesperados,
no meu quarto modesto da praia de Botafogo,
no pensamento dos homens que movem o mundo,
nem triste nem alegre, chama com dois olhos andando,
sempre
em transformação.

( * ) - Poeta Modernista.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Assim como eu - Vanderlei Pequeno



Mas não é que a vida colocou os dois na ordem do dia da dona Gracinha! Eles que há muito não se encontravam, pois defendiam, naquele momento, partidos e posições políticas antagônicas. No interior é assim: Não está comigo, está contra mim. Na agenda da dona Gracinha, mais uma pendenga política na cidadezinha do café com cultura.

Um na pompa do gabinete do paço – Prefeito - no poder, despachando, ouvindo reclamações sobre a sujeira das ruas, entupimento da rede de esgoto, paralisação do professorado, enfim, resolvendo como podia o leque de problemas do município em tempos de estio de verbas para o setor público.

O outro na oposição, o Alípio, dando com o pau no primeiro que não conseguia fazer nada pela cidade a partir de sua administração: - O homem fica dormindo lá na prefeitura, esperando o fim do mês e do mandato pra ir pra casa, ironizava. Nas folgas, quando não encontrava viva alma pra ouvir seus desanques, trocava e vendia relógios usados e de qualidade discutível no banco redondo da praça principal da cidade.

Já a Gracinha, a porteira do gabinete e que participa da patética cena final desta crônica, aparece aqui para dar seguimento a nossa história real e engraçada. Penso que as palavras do alcaide que ainda hão de vir expressam a tranqüilidade de quem bem viveu seus mais de sessenta anos, boa parte deles no poder, e sabe que as coisas são mesmo assim. Alguém que do alto de sua maturidade já havia descoberto que a vida é o “devir” e queiramos ou não, temos que seguir em frente, porque somos o que somos num tempo histórico, num espaço geográfico definido e limitados por excelência; que a nossa perspectiva é sempre o amanhã, o depois, o futuro. Isso, é claro, até chegarmos até o outro lado da ponte da vida, nos confins da eternidade pra onde a alma partirá, livre de todos os sentidos e dos problemas públicos. Enquanto isso, o mundo gira.

Mas volto à Dona Gracinha e agora sem ilações: companheira antiga de política do prefeito, estava naqueles dias preocupada com as eleições que se aproximavam e, naturalmente, com a reeleição do velho. Nisso, escutava as conversas da boca miúda e – pombo correio - levava para o gabinete. Sentia-se na obrigação de contribuir, de manter a hegemonia política do grupo a que pertencia. Do resultado do pleito eleitoral dependia também a manutenção de seu emprego por mais quatro anos. Ao mesmo tempo, não conseguia disfarçar a sua paixão cega, “patológica”, pelo prefeito. Sentia-se pessoalmente atingida pelas críticas – injustas - do Alípio. Somatizava, sofria, indignava-se com as calúnias. Vivia naquele ambiente do Paço embalada pelas lembranças da boa governança do mandato anterior, em tempos de fartura, obras e progresso para o município. Bem diferente do mandato em curso.

Foi ela mesma, a Gracinha, que entrou desesperada no gabinete, em prantos:

- Prefeito, não podemos aceitar uma coisa dessas. Tem que tomar uma providência, processa o Alípio! Ele tá lá na praça falando mal do senhor e de sua administração! Tem muita gente em volta, ouvindo. É muita mentira, prefeito!

Ao sentir a falta de reação do chefe, sugeriu:
- Pelo menos, manda o Manequinho da Serviços Urbanos pra defender a gente!

Manequinho entra na história. Servidor público da varrição, imbatível na língua, pegava sua vassoura e ia fazer ponto onde houvesse maior burburinho político com possíveis intrigas da oposição. A missão: cuidar da defesa do Paço. Ficava encarregado de fechar a boca do saco de maldade dos “perdedores”, desarticulando, mudando a prosa na boca pequena da cidade. Pra fazer isso, entrava na conversa dos outros, esquecendo-se dos seus deveres de funcionário público. Em vez de varrer a praça, varria a conversa fiada, as patranhas dos inimigos políticos. Ficava por ali, pronto pra atuar defendendo o governo municipal.

O prefeito, aparentando distanciamento, sem deixar transparecer preocupação com o que angustiava a sua funcionária, puxa um cigarrinho do maço, acende, calcula, mede o tempo que resta do mandato – três meses – e examina a situação. Resolve não “acionar” o Manequinho que por isso já sai da história. Pede um cafezinho, recosta-se na cadeira, observa admirado o desespero de Dona Gracinha e reflete: esta continua fiel escudeira, dama de retaguarda, isso depois de memoráveis disputas eleitorais... é pura humildade! Depois volta o pensamento para o ex-companheiro, o falador Alípio, pelo qual ainda mantém amizade: - Contribuiu em tempos pretéritos... um desocupado, diz pra si mesmo, entre comiserado e carinhoso. Pra tranqüilizar a amiga, deglute o cafe e aconselha com humor e serenidade:

- Deixa o Alípio pra lá, porque ele é vigarista que nem eu mesmo!

sábado, 17 de julho de 2010

Um poema - Idalina de Carvalho


SUSSURROS
Querer-me coesa, conexa, é
desconsiderar o mistério do meu feminino,
a poesia que habita em mim.

Sou caos, da lua a oculta face
derramando olhar caricioso
sobre ti.

Corpo, coração, o que carrega
essa fluidez, essa magia,
essa luz que atravessa o silêncio
que eu sou?

Incógnita presença
contraditória, transcendente
e inexplicável presença
a arrancar-te sussurros
Quer conhecer outros textos de Idalina Carvalho: entre no blog http://www.idalinacarvalho.blogspot.com/

terça-feira, 15 de junho de 2010

Um Poema - Fernando Abritta







Canto zero

No meio do vale
uma árvore


beirando a estrada
cercada
de capim
braquiária invasora
a árvore
resiste

umárvore
sentinela plantada
cavalgando ventos
barrando águas
tempestades
florindo
frutificando
semeando

No meio do vale
umárvore
guerreira avançada

ao fundo
nas grotas
nas dobras dos morros
muitas outras
apertadas
disputando sol e solo
contidas
por
arame farpado foices e fogo
esperam
olhando o vale
os bois
a erva invasora
cobiçando


Umárvore
parada plantada
enraizada
insiste na florada
cada fruto uma arma
sementes soldados
: largar raízes
teimando tentando dementes insistentes


No meio do vale
umárvore
r existe.

Poema tema do livro umÁrvore a ser lançado pela Lei Murilo Mendes – lei de incentivo a cultura do município de Juiz de Fora, em setembro de 2010.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Um Poema - Emanuel Medeiros ( * )


HIROSHIMA



Na manhã dominical,
a bomba de Hiroshima,
a bomba,
tão clara,
exata,
cirúrgica.

Bomba geométrica,
certeira.

A bomba vem do céu,
mas não é ave.

A bomba vem de cima,
mas não é Deus.

Desce fumegante,
a bomba não negocia,
a bomba não conversa,
célere, impositiva,
acerta o alvo, cai,
a bomba queima, a bomba dissolve,
a bomba dilacera.

Alguém nasce no ano em que ela cai,
e pensa naquele 1945:
a surpresa daqueles milhares de olhos,
à espera do lúdico no matinal domingo,
parques, igrejas, passeios, visitas familiares,
percebendo – sem tempo para a reflexão –
a chegada da não-ave,
emissária de Tanatos,
que cai, cai,
na paisagem limpa (cogumelos atômicos).

(* ) Poeta Catarinense morando, atualmente, na Bahia. Autor de vários livros, entre eles "Olhos Azuis - Ao sul do Efêmero". Contato metonia55@hotmail.com