segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Assim como eu - Vanderlei Pequeno



Mas não é que a vida colocou os dois na ordem do dia da dona Gracinha! Eles que há muito não se encontravam, pois defendiam, naquele momento, partidos e posições políticas antagônicas. No interior é assim: Não está comigo, está contra mim. Na agenda da dona Gracinha, mais uma pendenga política na cidadezinha do café com cultura.

Um na pompa do gabinete do paço – Prefeito - no poder, despachando, ouvindo reclamações sobre a sujeira das ruas, entupimento da rede de esgoto, paralisação do professorado, enfim, resolvendo como podia o leque de problemas do município em tempos de estio de verbas para o setor público.

O outro na oposição, o Alípio, dando com o pau no primeiro que não conseguia fazer nada pela cidade a partir de sua administração: - O homem fica dormindo lá na prefeitura, esperando o fim do mês e do mandato pra ir pra casa, ironizava. Nas folgas, quando não encontrava viva alma pra ouvir seus desanques, trocava e vendia relógios usados e de qualidade discutível no banco redondo da praça principal da cidade.

Já a Gracinha, a porteira do gabinete e que participa da patética cena final desta crônica, aparece aqui para dar seguimento a nossa história real e engraçada. Penso que as palavras do alcaide que ainda hão de vir expressam a tranqüilidade de quem bem viveu seus mais de sessenta anos, boa parte deles no poder, e sabe que as coisas são mesmo assim. Alguém que do alto de sua maturidade já havia descoberto que a vida é o “devir” e queiramos ou não, temos que seguir em frente, porque somos o que somos num tempo histórico, num espaço geográfico definido e limitados por excelência; que a nossa perspectiva é sempre o amanhã, o depois, o futuro. Isso, é claro, até chegarmos até o outro lado da ponte da vida, nos confins da eternidade pra onde a alma partirá, livre de todos os sentidos e dos problemas públicos. Enquanto isso, o mundo gira.

Mas volto à Dona Gracinha e agora sem ilações: companheira antiga de política do prefeito, estava naqueles dias preocupada com as eleições que se aproximavam e, naturalmente, com a reeleição do velho. Nisso, escutava as conversas da boca miúda e – pombo correio - levava para o gabinete. Sentia-se na obrigação de contribuir, de manter a hegemonia política do grupo a que pertencia. Do resultado do pleito eleitoral dependia também a manutenção de seu emprego por mais quatro anos. Ao mesmo tempo, não conseguia disfarçar a sua paixão cega, “patológica”, pelo prefeito. Sentia-se pessoalmente atingida pelas críticas – injustas - do Alípio. Somatizava, sofria, indignava-se com as calúnias. Vivia naquele ambiente do Paço embalada pelas lembranças da boa governança do mandato anterior, em tempos de fartura, obras e progresso para o município. Bem diferente do mandato em curso.

Foi ela mesma, a Gracinha, que entrou desesperada no gabinete, em prantos:

- Prefeito, não podemos aceitar uma coisa dessas. Tem que tomar uma providência, processa o Alípio! Ele tá lá na praça falando mal do senhor e de sua administração! Tem muita gente em volta, ouvindo. É muita mentira, prefeito!

Ao sentir a falta de reação do chefe, sugeriu:
- Pelo menos, manda o Manequinho da Serviços Urbanos pra defender a gente!

Manequinho entra na história. Servidor público da varrição, imbatível na língua, pegava sua vassoura e ia fazer ponto onde houvesse maior burburinho político com possíveis intrigas da oposição. A missão: cuidar da defesa do Paço. Ficava encarregado de fechar a boca do saco de maldade dos “perdedores”, desarticulando, mudando a prosa na boca pequena da cidade. Pra fazer isso, entrava na conversa dos outros, esquecendo-se dos seus deveres de funcionário público. Em vez de varrer a praça, varria a conversa fiada, as patranhas dos inimigos políticos. Ficava por ali, pronto pra atuar defendendo o governo municipal.

O prefeito, aparentando distanciamento, sem deixar transparecer preocupação com o que angustiava a sua funcionária, puxa um cigarrinho do maço, acende, calcula, mede o tempo que resta do mandato – três meses – e examina a situação. Resolve não “acionar” o Manequinho que por isso já sai da história. Pede um cafezinho, recosta-se na cadeira, observa admirado o desespero de Dona Gracinha e reflete: esta continua fiel escudeira, dama de retaguarda, isso depois de memoráveis disputas eleitorais... é pura humildade! Depois volta o pensamento para o ex-companheiro, o falador Alípio, pelo qual ainda mantém amizade: - Contribuiu em tempos pretéritos... um desocupado, diz pra si mesmo, entre comiserado e carinhoso. Pra tranqüilizar a amiga, deglute o cafe e aconselha com humor e serenidade:

- Deixa o Alípio pra lá, porque ele é vigarista que nem eu mesmo!

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