quinta-feira, 26 de abril de 2007

Ilustação: Altamir Soares
O anticandidato

Foi lá pelo mês de setembro do ano dois mil e três. Ele era candidato a vereador e o Encontro Político da noite acontecia num bairro, na periferia da cidade, uma região em que, certamente, não conseguiria ampliar sua votação. O nome mais forte da legenda, com possibilidades reais de eleição, era do trecho e vinha fazendo uma campanha exemplar. Moravam também nas redondezas mais dois candidatos potenciais à reeleição, representando os partidos hegemônicos na cidade. Para o seu bornal, não restariam mais de seis votos, e isso porque, felizmente, montou rancho naquela cercania a família de um de seus irmãos. Mesmo assim, manteve a altivez, para dar a sua contribuição no nível das idéias, elevado. Optou por construir ali algumas formulações políticas básicas, transformar o evento num Momento Pedagógico, de aprendizado coletivo. Se a partir daí viessem mais votos, tanto melhor.

Volto ao início do drama. Ele decidiu-se por colocar sua candidatura a uma vaga na Câmara Municipal de Cataguases depois da leitura de uma crônica de Rubem Alves, chamada Sobre Política e Jardinagem. No texto, o Educador nos ensina que política se faz por Vocação, e explica que a palavra vem do latim “Vocare” que quer dizer “Chamado”, “Convocação”. Mais adiante o autor refuta a idéia do exercício da Política como profissão, jeito de ganhar dinheiro, fazer vida. Esclarece que o vocábulo (Política) vem do grego Polis, que significa Cidade, “um espaço seguro, ordenado e manso, onde os homens podiam se dedicar à busca da felicidade. O político seria aquele que cuidaria desse espaço. A vocação política, assim, estaria a serviço da felicidade dos moradores da cidade.” Importava, pois, construir a Polis para que todos pudessem conviver em condições de igualdade, doando-se uns para os outros.

Assim, com o coração e a mente voltados para as lições do mestre, idealizou naquela noite o seu discurso de forma a poder contribuir para o tão falado Processo de Conscientização Popular. Começou tentando convencer os que ali estavam a dar e não vender , trocar, ou perder o voto. Professoral, explicou que não era papel de vereador fazer favores pessoais e que o clientelismo com eleitores não se coadunava com a boa prática da vereança, já que o seu salário seria pago por toda a sociedade. Exemplificou, lembrando os candidatos oportunistas, aqueles que se transformavam em prestadores de serviços gratuitos de transporte de móveis e utensílios, de ex-domicilio em domicílio; distribuição de medicamentos, agasalhos, roupas etc. Esclareceu que vários desses serviços seriam da obrigação do setor público que não pode ser substituído pelos indivíduos. Expôs ao ridículo a falaciosa e egoísta argumentação da necessidade de se eleger o “Vereador do Local”, lembrando que apenas dez cadeiras seriam ocupadas na Câmara e que a cidade possuía, além do centro e dos distritos, mais de quarenta bairros. Assim, quem cuidaria dos interesses daqueles que não tivessem representação na Casa? Alertou que o verdadeiro vereador é aquele que se preocupa com a fiscalização das contas do prefeito; que estuda, idealiza, discute, vota e aprova boas leis para o município; ajuda a organizar politicamente a cidade; apóia as ações voltadas para o seu crescimento econômico e luta para minorar o sofrimento das pessoas, a exclusão social, a partir da melhoria dos serviços públicos.

Resumo final da história: o somatório de sua votação na zona eleitoral não surpreendeu, seis votos. Um do irmão, outro da cunhada e quatro dos sobrinhos. Menos mal que tenha se livrado do constrangimento de ouvir o comentário de uma balzaca da galera. A expressão indignada da mulher ao final daquele discurso anti-eleitoreiro foi exemplar :

- Vê lá se eu vou votar num homem desse !

3 comentários:

  1. Hehehe! Ouvi essa história nas minhas passagens por Cataguases!
    Tio, boa sorte! Com seu blog e com a "vocação" de político!

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  2. Pequeno, esta sua estória me reportou para uma história parecida - aliás, quando a prática da ciência POLÍTICA é substituída e aceita pelos paradigmas velhacos da POLITICAGEM - o que se deve esperar ao final são mesmo as frases das balzaquianas melindradas e o esvaziamento de candidaturas sérias e propositivas.
    Certa feita eu e mais alguns companheiros fomos juntos com um Deputado Federal à um bairro para que ele pudesse ali - junto àquela comunidade carente - dar uma panorâmica sobre as ações do Governo Federal, comentar acerca do envolvimento do Governo Estadual e, com mais ênfase, expor o papel da Câmara dos Deputados e em que o seu Mandato - caso lograsse êxito nas eleições - poderia estar implementando de positivo para a nossa cidade, sem perder de vista as prioridades daquele bairro. Pois muito bem, após desenvolver e concluir as explanações com muita desenvoltura e propriedade o nobre Deputado abriu a palavra para que os cidadãos ali presentes pudessem reinvidicar-lhe ações. O que mais se falou e foi objeto de consenso foi a urgência em se promover a instalação de uma longa rede de escoamento de águas pluviais, já que a sua ausência vinha comprometendo sobremaneira a segurança de todos os moradores, dados os constantes desmoronamentos das próprias ruas, das encostas e dos morros circunvizinhos. O bairro se situa num dos pontos altos da cidade. O Deputado disse prontamente que poderia estar indicando o nome da Associação de Moradores daquele bairro às verbas do Orçamento da União e que reinvidicaria uma emenda no valor de R$100.000,00(Cem mil Reais). Ora, não é que um cidadão - um desses que se acha sempre o mais entendido e o mais esperto - levantou-se e em dedo em riste argumentou: "olha aqui Deputado, a gente não quer saber dessas coisas demoradas não. O senhor nos dá aí R$300,00(Trezentos Reais) que já dá pra comprar umas seis manilhas e a gente faz o papel de passar de casa em casa pedindo votos pro senhor... Caso contrário não vai dá pra gente trabalhar juntos não!". O Deputado, muito diferente de outros oportunidas, rebateu a idéia e lhe disse que por causa de ações dessa natureza - a imposição de votos por barganha - a corrupção tinha tomado propoções imorais no Brasil e que com muita convicção ele não iria "doar" os R$300,00 e que também não estava ali para impor a sua candidatura e que todos se sentissem livres para votar em quem melhor lhes conviessem e mais, com ou sem o apoio daquele bairro à sua candidatura, ele enviaria o pedido de Emenda do Orçamento no valor expresso em sua dissertação, por ter certeza da concretude desse instrumento legal de reinvidicação e que nas próximas eleições, caso ele fosse merecedor da credibilidade daqueles munícipes ele se sentiria muito honrado.

    A história é esta, Pequeno. Velhos e viciosos paradigmas difíceis de ser quebrados.

    abs
    Fernando Batista dos Santos
    "FERNANBAS"

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  3. Crônica baseada em fatos reais... infelizmente.

    Agora temos que organizar esses "cabos eleitorais" na próxima. Esses 6, tinham que ter se transformado em pelo menos 18.

    Parabéns pelo BLOG !!!

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