quarta-feira, 26 de maio de 2010

Um poema - Zeca Junqueira


make love, bicho


Não quero o poema
quero a vida como ela era
quero de volta as manhãs e as noites
e a primavera.

Não quero saber dos best-sellers
com suas verdades ignoradas pelas estrelas
- e pelas minhocas.

Não quero os filósofos
não aceito trocar o sabor do doce
pela sua receita
barganho os circunspectos explicadores

- todos eles!

Pelos lunáticos, pelas benzedeiras
e pelos que não sabem das letras
mas sabem do vento e da chuva boa

– e das boas-novas.

Não quero a chuva ácida
não prevista pelos lunáticos.

Não quero cinema enlatado em dvd
arranjem-me ingresso para as matinês de domingo
com todos os vilões restritos à tela

O mundo é fraterno!

Após o the end, rumar para casa comendo pipoca
com picolé de côco comprado na carrocinha
sujando luxuosamente a camisa.

Quero ir à missa para tapear deus
com um caprichado sinal da cruz e
ficar azarando as moças
mas não quero a pornografia:

Sirvam-me a saliência de mestre zéfiro
quero a (re) descoberta, a transgressão e
o gosto das coisas proibidas.

Quero deletar o fotoshop e
ver de novo as mulheres
escandalosamente nuas.

Quero que o meu silêncio no banheiro
seja interrrompido pelas batidas de minha avó
na porta – que qui cê ta fazendo aí, moleque?!

- Quero o susto.

Quero ouvir os beatles em primeiro lugar nas
paradas de sucesso – os stones em segundo, vá lá. e

Make love, bicho, not war.

Na camisa branca quero as flores de “hair”
(por um mundo melhor)

Quero topar na rua com os bichos-grilo
com os Hare Krishna

Hare, hare, hare,

Quero desbundar em londres
Pirar em Woodstock
Pecar em altamont
Ver Gil em wight.

Oh!, my lord / my sweet lord...

Quero ouvir lp com chiado
Quero ver tv preto e branco
Quero que o google se foda
Que a internet se lasque

Que os celulares explodam
Que o consumismo se coma.

Onde há arte no mundo?

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Um Poema - Ronaldo Cagiano

-
ÚLTIMO POEMA PARA ISABELA NARDONI

A morte chegou pelo elevador
e, num março enfumaçado,
com seus guantes de aço
e suas garras de bile
colheu-te na imensidão ferruginosa
das sombras.
Com o avassaladora condenação das Parcas
- apartada toda a misericórdia -
a deselegância furibunda de um Talião
irrompeu atônita
enquanto calçavas as meias de seda
de seus sonhos.

Feito Dâmocles,
a Inolvidável chegou intimorata
empunhando a espada assassina
que teceu a noite definitiva
sem defesa ou recursos.

Apareceu do nada
(ou foi ruminada no pântano escabroso de um monstro?)
e como um decreto inclemente de Cambises
sentenciou sua injustiça manifesta

Sem luva nas mãos
sem identidade
mas frenética e irredutível
seus olhos arregalados e frios de fera enjaulada
interditaram os anjos da menina
decepando a haste frágil
de um jardim
onde dormitavam bonecas e velocípedes.

Indesejada e inexorável,
cruzou o Letes
com a velocidade desumana e cangaceira
de um zéfiro

veio para ti
pelas mãos de uma imerecida paternidade
navegando no rio ácido de um sangue
que não é doce como o seu.

Ela não se escondeu de você
pequena flor arrancada a contragosto
do inefável canteiro de pérolas,
mas ao brotar de um jardim sinistro
e cavalgando o dorso do horror
fechou-te as pálpebras
numa enxurrada fúnebre
lançando-te no vale de ossos
no exílio da pátria de jazigos.

Testemunha do silêncio e da lonjura dos dias,
experimentas o compulsório breu
do invisível
que se debruçou tão cedo
sobre o seu calendário imberbe.

Habitante do etéreo,
pesa sobre teus olhos frágeis
o chumbo de uma noite imprevisível
e a bomba alucinada e insone
que impingiu-lhe as mãos criminosas
agora marcam na tela desértica e grave
de teu quarto - sem borboletas nem sorrisos -
a insone obra
da tragédia imperdoável.

domingo, 9 de maio de 2010

Um Poema - Francisco Marcelo Cabral


Assim simples
(O milagre acontece e, quando acontece, acredite,
a vida sabe como celebrar” - Maharaji *)

Quando a água do mar vem
Repleta de alimento e vida
a ostra simplesmente a recebe e aceita
e gratidão é o seu brilho de pedra molhada.

Quando cai a chuva
Fecundando os delicados pelos da umidade
A relva simplesmente a recebe e aceita
E gratidão é o seu verde sem manchas.

Quando o sol se levanta
Com sua coroa de luzes quentes,
As flores simplesmente o recebem e aceitam
E gratidão é sua variada beleza.

Quando essa respiração vem
Com sua renovada força de vida
Não perguntes nada
Simplesmente a recebe e aceita
E gratidão seja a música de tua alegria

• Mestre-guru indiano.