domingo, 14 de dezembro de 2008

As feridas abertas de Hélio Fernandes


Hélio Fernandes da Cunha vai lançar o seu primeiro livro. Sim, daqueles que têm mais de 49 páginas, sem contar com a capa. Sepukku é o nome do trabalho onde o autor envereda-se por assuntos considerados verdadeiros tabus entre a turba. Hélio diz ter escrito ensaios, mas do lado de cá, eu li tudo como um romance e dos bons; o texto é instigante, provocador e, em verdade, desperta em nós a vontade de chamar o autor numa conversa franca, de homem pra homem, bigode a bigode.

O trabalho traz no seu bojo uma profusão de assuntos polêmicos. Já na primeira orelha, encontramos o significado da palavra que nomeia a obra: Seppuku é o termo que designa o ritual suicida conhecido popularmente como haraquiri. No Japão, a evisceração por Seppuku –literalmente, cortar o estômago – constituía um dos aspectos do código de honra dos samurais. Para eles, a vida é limitada, mas a honra dura para sempre. Assim, ao escolher esta forma lenta e dolorosa de enfrentar o enigma da morte, mostravam absoluto controle sobre si mesmos, venciam o medo e resgatavam sua dignidade.

Recorro ao Machado, lá no conto O Alienista, para tentar explicar e entender a ótica do personagem criado por Hélio Fernandes. Diz o Bruxo do Cosme Velho: A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí, insânia, insânia e só insânia. Isso mesmo, expondo à enésima potência a sua racionalidade, Hélio jogou nas costas do narrador – e bem - um discurso pungente, que o tornou capaz de imergir num enfrentamento a temas tão caros, sem hesitação. Em Sepukku, o cavalo da razão galopou pesado e decidido sobre temas como a infidelidade conjugal, o suicídio, o câncer, o divórcio e, ainda antes da trajetória final, pisoteou temerário o terreno pantanoso dos que optam por viver sob a égide dos mistérios da vida, da não-razão: a comunicação com os mortos.

Há humor na literatura apresentada por Hélio Fernandes. Humor que nos desafia, nos chama para a briga e nos enfia a faca no fígado. É também, contraditoriamente, o humor cáustico, quase sarcástico, mas que revela sofrimento.

Quem é esse Hélio Fernandes? Não é o jornalista famoso na história política de nosso país, o irmão do Millor Fernandes. O Hélio da vez é de Astolfo Dutra. Fez seus estudos iniciais no Colégio Cataguases e depois picou fumo para Belo Horizonte, onde fez Direito pela Universidade Católica de Minas. Transitou pelo Banco do Brasil e encerrou carreira no Banco Central, como Delegado Adjunto, em Minas Gerais. Para continuar “vivendo perigosamente”, presta consultoria a empresas na área de Mercado de Capitais. Imagino que com o descenso das bolsas e com o sucesso que certamente fará com a publicação desse Sepukku, deixará de lado o pesado mundo do capitalismo e ajudará a construir mais e melhores almas humanas, através da produção literária.

O livro, de 207 páginas, é envolvente. Corajoso, o narrador, no capítulo cinco, discorre sobre a questão do suicídio de um filho e deixa perpassar para o leitor a dor do protagonista, diante de seu agudo sofrimento. Ali, na epígrafe da página 147, imprime um excerto do Romance A mulher Desiludida, de Simone de Beauvoir: Se eu tivesse levantado às sete horas... Se tivesse ido beijá-la quando cheguei em casa. Mas busca explicar esse ato humano de pular fora da ponte da vida, recorrendo a Sócrates, filósofo que foi condenado a tomar cicuta por não abrir mão de suas idéias, ou à pretensa dignidade dos japoneses Kamicazes. Ao mesmo tempo, assume a ferida aberta no peito, a incisura imune a qualquer possibilidade de cura, a alma ultrajada, o infortúnio diante de uma tragédia.

Ao final do romance, o personagem reencontra o amor, sentimento que havia perdido ao longo de sua tortuosa caminhada existencial. E o encontro com a paz acontece no aconchego sereno dos braços de uma nova mulher e de uma mulher nova: as duas são uma só! Dito dessa forma, poderia se imaginar que trato aqui de um livro de final folhetinesco. Não é. Da intimidade de onde escrevo esse modesto texto, reflito sobre os perrengues do personagem nas cento e noventa e seis páginas que precederam a chegada de sua Boa Nova. Concluo que, intelectualismos à parte, o bom remédio para as dores da alma é mesmo o encontro com a companheira que se mostra digna e capaz de nos amar, tirar-nos dos abismos em que a própria existência nos empurra. O personagem de Hélio Fernandes, ou Hélio Fernandes, está feliz e o merece. Até porque Machado de Assis – Ele de novo!- já nos avisou:

- Nenhuma dor é eterna.

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