terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Um frame além da música - Zeca Junqueira


Durante esse ano de 2008, que vai terminando (e já vai tarde, xô!), eu bati várias vezes na mesma tecla no jornal “Cataguases” escrevendo em defesa de uma Arte, se não autêntica - pois autêntica, em última análise, é até mesmo a fraude (o mundo admite) – eu cutuquei a mesma tecla, repito, em defesa de uma Arte quente e briguenta nesses tempos de desistência em que algo assim é déjà vu.
Questionei o tempo todo: o que nos move além da satisfação em ver um livro redondinho editado, como o “Ilha do Horizonte”, do Vanderlei Pequeno, ou o “Sepukku”, do Hélio Fernandes, que promete? O que nos move além do prazer de uma peça nossa finalmente encenada no palco, como a lírica “Soninha Diamante”, de uma música composta estourando nas paradas de sucesso, o que nos move afinal, o que nos inquieta a tal ponto que nos leva ensandecidos às palavras, às tintas, à música, ao espasmo, ao grito?
De minha parte, o que me leva a tanto fazer é a busca declarada da salvação, de alguma forma; e em nenhum momento me sinto só, em nenhum momento temo a simplicidade da minha escrita, nem a sua “dureza de algodão”, as suas falhas, desde que o sentimento aflore (e reflore), em nenhum momento hesito por desconfiar que ando no caminho errado; então, nele prossigo.
Há um ponto além da poesia, um tom além da tela, um frame além da música que acena pra mim, que baila pra mim, e pra ele eu me dirijo. Como Jim Morrison, que ainda não levei ao palco (mas o farei!), como tantos outros visionários...
Confiram dois depoimentos magistrais que falam disso, quero dividi-los ardentemente com vocês, poetas, escritores, amigos, carpinteiros do universo: o primeiro é do crítico musical Harvey Perr, em matéria para o Los Angeles Free Press, no final dos anos 60 sobre a banda the doors. O segundo é do próprio Morrison, líder dos doors, à mesma época. Ambos falam dessa Arte que dança, e dança, e dança...

Harvey Perr:
“Não tenho a inteira certeza que a minha admiração pelos doors tenha alguma coisa a ver com a sua música. Alguns deles são reconhecidamente fracos, mas considero com que o grau com que se entregam à simplicidade é mais admiravelmente expressivo do que o grau com que outros artistas menores evitam conscientemente a simplicidade. Parece-me que se algum grupo atingiu verdadeiras perfeições poéticas, devia se beneficiar do luxo de cometer grande erros...é como a poesia de Morrison: a maior parte dela é o trabalho de um poeta genuíno, um Whitman dos revolucionários anos 60, mas alguma é embaraçosamente imatura. Não é um crime ir de um extremo artístico ao outro. São, afinal, falhas humanas, e não existe arte se não existir humanidade. Mas, repito, não é, de qualquer modo, nem a sua música e talvez nem mesmo a sua poesia que me fez admirar os doors. Ao contrário, são as vibrações que deles recebo por causa do lugar onde sinto que estão tentando entrar e fazer-nos entrar, um mundo que transcende o mundo limitado do rock e que se movimenta em áreas cinematográficas, teatrais e revolucionárias...Esse tipo de pessoa (Jim Morrison) não tem que ter poesia dentro dela, mas se a tem, quando a faz, devemos olhar para ela mais cautelosamente, levá-la mais a sério. No caso de Jim Morrison e os doors, a agitação vale a pena. Aproximaram-se da Arte, não importando quanto ofenderam, divertiram ou mesmo excitaram os críticos de rock. Os padrões pelos quais a sua Arte deve ser medida são mais antigos e muito mais profundos”

Jim Morrison:
“A sensualidade e o pecado são hoje uma imagem atraente para nós, mas penso nela como uma pele de cobra que um dia será mudada. O nosso trabalho, a nossa atuação, são uma luta pela metamorfose. Agora estou mais interessado no lado sombrio da vida, no pecado, na face escondida da lua, na noite. Mas na nossa música parece-me que estamos a procurar, a lutar, a tentar atravessar para um reino mais limpo, mais livre. É como um ritual de purificação em sentido alquímico. A nossa música e as nossas personalidades vistas no espetáculo estão ainda num estado de caos e desordem, mas talvez já tenham um incipiente elemento de uma qualquer espécie de pureza inicial”.

Feliz Natal ao meu amigo Pequeno, Feliz Natal a todos que visitam esse blog! Que a Arte lhes sirva de banquete! Break on Through!

Um comentário:

  1. Bela e sensível a tua materia Zeca. A li algumas vezes pelo prazer de repetir a mesma sensação. Boa demais. abraços

    Emmanuel Almeida

    Juiz de Fora

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